segunda-feira, 15 de março de 2010

Barbie – Um caso de globalização

Para a Barbie aumentam os desgostos, à medida que a “American Girl” se torna global.

Em 1976, a boneca Barbie foi considerada e descrita como a quinta-essência americana. Mais de trinta anos depois, a Barbie tornou-se muito mais cosmopolita. Embora a Mattel (a empresa que detém a marca) tenha cerca de 60% dos seus rendimentos anuais no mercado norte-americano, milhões de raparigas no mundo adoptaram a Barbie como o brinquedo favorito. A boneca é vendida em mais de 150 países. Em geral, a Barbie era a marca de brinquedos mais vendida e a Mattel o maior fabricante de brinquedos a nível mundial.

Contudo, à medida que a boneca atingia os seus cinquenta anos, a popularidade da boneca diminuiu nos EUA e no resto do mundo. Por exemplo, a Bratz, uma linha concorrente de bonecas, explodiu em popularidade. Em contraste, no Médio Oriente a boneca local mais vendida, a Fulla, está associada a valores islâmicos, tais como modéstia e respeito. Acresce que as raparigas pequenas começaram a gravitar em torno de artigos electrónicos, como a música digital. Estas e outras tendências lançam problemas à Mattel, que depende da Barbie em 20% das suas vendas anuais.

Qual o segredo das primeiras décadas da Barbie? Ruth Handler, criadora da Barbie, acreditou que todas as crianças necessitavam de brincar com bonecas maduras para efectivamente projectar as suas fantasias em relação ao seu próprio crescimento. Embora os executivos da Mattel acreditassem inicialmente que uma boneca com a aparência de mulher era inapropriada e nunca se venderia, a Barbie tornou-se um sucesso instantâneo nas crianças norte-americanas.

Ao longo do tempo, a aparência da Barbie alterou-se para reflectir as mudanças culturais e na moda. Em 1968, por exemplo, foi introduzida a primeira Barbie negra para captar o crescente mercado afro-americano. Barbies hispânicas e asiáticas foram também criadas em resposta à crescente variedade étnica do mercado norte-americano. Foi o primeiro passo para a Mattel ter como objectivo as crianças noutras partes do mundo. “Mattel 2000” foi o foco da direcção da empresa durante a década de 1990. Considerou-se então que existiam duas vezes mais crianças na Europa, três vezes mais na América do Sul e 15 vezes mais na Ásia. O potencial para produtos como a Barbie era enorme.

Contudo, embora a Barbie tenha sido inteiramente adoptada em culturas diferentes da dos EUA, as oportunidades para o crescimento internacional vieram com desafios. Mesmo assim, a Mattel dedicou-se a tornar-se uma verdadeira empresa global. Em primeiro lugar, a boneca tornou-se um verdadeiro sucesso na Europa.

No Médio Oriente, desde a sua introdução, a Barbie enfrentou a oposição na base de questões políticas, religiosas e sociais. Nalguns destes mercados, a Barbie enfrentou a concorrência de bonecas islâmicas alternativas. Foram exemplos, a Laica , a Sara e a Dora. Mas a que atingiu maior popularidade foi a Fulla.

Na América Latina, nomeadamente no Brasil, a Barbie enfrentou a concorrência de uma boneca rival mais barata. O Brasil era um mercado importante para a Mattel, no entanto a Barbie começou a perder quota de mercado para a boneca Susie, fabricada pela empresa que anteriormente fora licenciada para distribuir a Barbie no Brasil. Devido ao sucesso da Susie neste mercado, a mesma empresa lançou a boneca no Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai em 2000. O êxito da Susie foi atribuído ao seu preço baixo e à inclusão de elementos locais que permitiram às crianças identificarem-se com a boneca.

Na Ásia/Japão a Mattel aprendeu que, para ter sucesso numa cultura estrangeira, a Barbie não podia ser introduzida tal e qual, mas incluir pequenas alterações cosméticas que a tornaram lucrativa. A Barbie foi lançada com sucesso na Índia em 1995 vestida com um “sari”. Mas a Mattel teve mais dificuldades no Japão. O mercado de brinquedos neste país é enorme, sendo importante para a Mattel tornar-se global no Japão. Durante 20 a nos, a Mattel enfrentou dificuldades neste mercado, pois a distribuição é complexa e existe intensa concorrência de empresas japonesas. Acresce que as bonecas têm uma longa tradição na cultura japonesa, com uma herança de mais de 800 anos de importância (até cerimonial).

Inicialmente, a Mattel teve um sucesso limitado. A empresa contratou os serviços da Takara, uma empresa especializada em brinquedos. Através de pesquisa, a Mattel concluiu que a Barbie tinha as pernas demasiado longas e o peito muito grande. As crianças não se identificavam com aquela boneca. Também os olhos da boneca tiveram que ser alterados de azuis para castanhos e a Barbie passou a ter um aspecto mais apelativo ao mercado japonês. Nascia a Takara Barbie. Posteriormente, a Mattel terminou o seu relacionamento com a Takara e esta empresa continuou a vender a boneca como Jenny, que, ironicamente, se tornou concorrente da nova Barbie japonesa. Em 1986, a Mattel fez uma aliança com uma grande empresa japonesa (a Bandai, maior empresa japonesa de brinquedos) e criou as Maba Barbies (“Ma” de Mattel e “ba” de Bandai) com olhos castanhos. Devido á sua semelhança com a concorrente Jenny a Maba Babie foi retirada do mercado antes de chegar ao sucesso e substituída pelas Bandai Barbies que, afinal de contas eram também semelhantes à Jenny.

Mais uma vez o sucesso do mercado japonês foi uma ilusão para a Mattel. Até que a Mattel descobriu e compreendeu que a sua vantagem competitiva se encontrava na versão norte-americana da Barbie, pois as crianças não se inclinavam para as versões locais. Em 1991, a Mattel terminou a aliança com a Bandai e abriu o seu escritório em Tóquio. Lançou a Barbie norte-americana e começou a ter o êxito tão esperado. Embora a Mattel não tivesse lucros até 2003, em 2004 a Barbie fez lucro no Japão. Em 1999, a empresa teve que fazer mais esforços no mercado e depois de 20 anos de trabalho, a empresa recuperou o seu relacionamento com a Bandai para formar uma aliança de marketing, vendas e desenvolvimento de produto, a fim de ganhar o complexo sistema de distribuição no Japão. No final de 2001, a parceria estratégica com a Bandai tinha eliminado as crónicas perdas operacionais neste mercado (Fonte: “Global Marketing”, W. J. Keegan e M. C. Green, Pearson Prentice Hall, Fifth Edition, 2008).

É interessante verificar que, actualmente, a disciplina de Marketing Internacional e Global ensina a necessidade de adaptações aos vários mercados, de várias formas e com diferentes abordagens. Repare-se, todavia, que a Mattel foi pioneira na globalização e as análises prévias sobre as diferentes culturais, embora já existissem, não eram tão frequentes. A Mattel enfrentou a necessidade, perante a sua actuação efectiva no mercado, de fazer adaptações ao produto. Curiosamente, no Japão, país com uma cultura tão especial, a boneca que acabou por perdurar foi a versão norte-americana. As crianças japonesas, embora com versões locais da boneca, acabaram por preferir a versão ocidental.

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