sábado, 27 de agosto de 2011

A distribuição no século XXI e a distribuição tradicional

Preocupo-me sempre que vejo a comunicação social portuguesa a indicar o número de lojas do comércio tradicional que encerram diariamente. Referem como causa principal a actual crise. Será? Por outro lado, vejo ocasionalmente o nascimento de novos projectos do tipo "loja" (outlet) que florescem. Porquê? Vale a pena reflectir.


Se repararmos bem, todos nós sabemos que há muito tempo o comércio tradicional foi ultrapassado pelos novos modelos de distribuição que tiveram início nos EUA (em meados do século XX), estenderam-se pela Europa e depois por todo o mundo. No entanto, o comércio tradicional não desapareceu totalmente, pois mantinha a sua função principal: lojas de proximidade. Gradualmente, todavia, grande parte das lojas começou a sofrer a redução dos seus negócios. Muitas e muitas foram resistindo, com lucros baixíssimos que praticamente não davam para investir em modernização, mas apenas para pagar aos trabalhadores (os que iam ficando) e naturalmente aos pequenos proprietários, também eles a sofrer com lucros muito baixos.




No sector alimentar, as grande superfícies tomaram conta de grande parte do negócio, enquanto nos outros sectores foram também surgindo modernas formas de distribuição do tipo grande superfície com preços baixos, ou, no caso da roupa e similares, com marcas bem desenhadas. Nos bens de consumo, a nova distribuição também tomou conta de grande parte dos negócios, incluindo nos bens de consumo duradouro e na electrónica de consumo. O comércio electrónico (vendas online) desenvolveu-se em muitos sectores, nalguns casos exponencialmente.





Várias vezes no meu blogue reflecti sobre estes aspectos e indiquei que as lojas do comércio tradicional que quisessem sobreviver teriam que apostar num tipo de estratégia bem estudada e assente nas suas vantagens comparativas que, cada vez mais, estavam a desaparecer. Algumas dessas vantagens, no entanto, permaneciam, pois muitos negócios (novos e anteriores) prosseguiam. Uma das principais vantagens consiste no atendimento personalizado, pois a vantagem da proximidade também se reduziu, dado que algumas cadeias de supermercados começaram também a apostar nessa vantagem. Assim, há que pensar em termos de estratégia de marketing. Há que criar um conceito de negócio diferente (ou recriar no caso de negócios existentes) e pensar "a quem queremos vender", "o que queremos vender" e "qual a melhor forma de vender". E ainda "conhecermos bem a nossa clientela".







Para demonstrar o que se pode fazer em termos de negócio com este tipo de raciocínio, vou apresentar um exemplo. Antes, porém, deve referir-se que a inovação é o aspecto fundamental dentro do raciocínio. Seja um produto inovador, ou um conceito diferente (portanto inovador), ou uma nova forma de apresentar o produto ou serviço, tudo pode ser pensado. O exemplo é a "Panera Bread". A Panera (início 1981) foi uma simples padaria norte-americana (em St. Louis) responsável por criar uma obsessão dos norte-americanos por pães especiais. O negócio desenvolveu-se e em meados da década de 2000, a Panera era já uma rede com mais de 800 cafetarias (bakery cafes) que assavam (e assam) o próprio pão, detendo a maior fidelidade do cliente a um retalhista dos EUA. O CEO e presidente da Panera fez o possível por passar a maior parte do tempo possível nas lojas, conversando com os clientes e descobrindo o que os motivava (e motiva). Tentanto saber o que devia oferecer nas lojas pelo qual valesse a pena o cliente desviar-se do seu caminho para ir à Panera Bread. Descobriu que para os clientes era importante usufruir da tradição de "comer pães artesanais fresquinhos". Criou, assim, um conceito especial. Cada loja da Panera é espaçosa, contemporânea, pintada com cores vivas e com lareira acesa nos meses frios. Próximo das portas de entrada, as lojas oferecem os menus com os artigos para levar para casa, que incluem desde o pão do dia até pãesinhos para provar. O serviço personalizado é um aspecto-chave, que gera a consolidada preferência dos clientes. O CEO também descobriu que os clientes querem alimentos em "que possam confiar", que não sejam industrializados demais, que não tenham muitos aditivos, sendo, por exemplo, as "sanduíches e saladas preparadas com frangos criados com técnicas mais humanas, sem o uso de antibióticos". Acresce que os clientes também gostam de usufruir o espaço e sentar-se a conversar, para além de levar pão e outros artigos para casa. A Panera foi estendida através de "franquias", mas não existe propriamente uma fórmula pronta, pois é a comunidade local que está no centro da estratégia e as lojas não oferecem exactamente o mesmo mix de produtos em todos os locais. Actualmente, a Panera Bread tem quase 1500 "bakery cafes".





Este exemplo demonstra o que a inovação e criatividade podem fazer pelo comércio tradicional. Para uma loja do comércio tradicional sobreviver e, de preferência, continuar a crescer, o empresário deverá pensar em termos de negócio e não apenas como se de uma pequena loja se tratasse, com certos produtos à venda. Deverá pensar na sua estratégia de negócio, fazendo as perguntas certas sobre "a quem vender", "conhecer minimamente a quem quer vender", "o que vai vender", "como vai vender", "se necessário criar uma marca e preparar a respectiva estratégia". Em suma, criar um negócio que possa ter sucesso, em vez de tentar sobreviver não fazendo nada e declinar, declinar, declinar até ao encerramento.

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