sábado, 2 de janeiro de 2016

PME - Parar para Pensar e Ter Agenda Própria

Há algum tempo, li um texto de José Tolentino Mendonça, teólogo, colunista da Revista do jornal Expresso, que me fez pensar num aspecto essencial da vida, mas a que nem sempre os empresários de PME dão o devido valor: o tempo; o tempo que se perde; o tempo que se ganha ou pode ganhar; as pressas; a lentidão. Nos dias de hoje, estes temas são essenciais, porque a Internet e as  Redes Sociais vieram modificar as nossas vidas  e aumentar a velocidade com que circula a informação, bem como a necessidade dos empresários tomarem decisões com rapidez, mas adequadas aos novos tempos. O texto a que me refiro leva-nos a aprofundar este assunto. Com o título “A Arte da Lentidão”, o autor faz uma reflexão abrangente sobre o tema, começando por afirmar que “os nossos estilos de vida estão contaminados por uma pressão que não dominamos”, por um “não há tempo a perder” e também “queremos alcançar as metas o mais rapidamente que formos capazes”, etc. etc., acabando o autor na primeira parte do texto por considerar que “os ritmos de actividade tornam-nos impiedosamente inaturais” e que na época actual “é necessário permanecer contactável e disponível a qualquer momento”. Acrescenta que “damos por nós ofegantes” e que “deveríamos, contudo, reflectir sobre o que perdemos, sobre o que vai ficando para trás”. Tolentino Mendonça cita Milan Kundera que, num texto intitulado “A Lentidão”, escreveu “quando as coisas acontecem depressa demais, ninguém pode ter a certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo”. E explica, em seguida, que o grau de lentidão é directamente proporcional à intensidade da memória, enquanto o grau de velocidade é directamente proporcional à do esquecimento. Continua , afirmando que “a pressa condena-nos ao esquecimento e que passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca chegamos a aprofundar”. Termina a parte principal do texto com a frase  “na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver”. Vale a pena ler todo o texto para perceber quanto podemos estar encurralados.
Como pretendo escrever para Empresários de PME, sobretudo para empresas exportadoras, gostaria de começar por lembrar que no século XX, antes do grande salto tecnológico na informação e comunicação, mas já com a globalização no início (anos 50, 60 e 70), as grandes multinacionais deslocavam os seus quadros para locais retirados, em ambientes muito sossegados, num apelo à meditação, não em questões metafísicas, claro, mas sim nos negócios, designadamente no que pensavam e desejavam as pessoas (na altura chamados apenas consumidores, só mais tarde transformados em algo mais importante), e pensar nas alternativas estratégicas para os produtos/serviços, etc. Depois, muitas empresas de vários países ocidentais, e não só, começaram a adoptar o mesmo tipo de iniciativas (fins-de-semana de estudo, reuniões de “brainstorming”, etc.), e isto não era mera formação, mas sim estudo e inter-acção de ideias, com o fim de ajustarem os negócios à realidade e à evolução e perspectivas dos mercados externos. Em Portugal isto também aconteceu. Actualmente, com a Internet e as Redes Sociais, parece que tudo flui muito rapidamente e as pessoas (entre as quais os empresários de PME) estão a perder de vista a necessidade daquilo que se chama “sentar para pensar”. Tudo tem de ser mediatizado e, por isso, somos levados à necessidade de os “encontros empresariais” serem menos pausados, menos profundos, mais apressados ou, no mínimo, dentro do “timing” para chegar a horas (e estar tudo pronto) no momento em que surgem os “media”, porque estes são absolutamente necessários para que a empresa exista, para que o acontecimento exista, ou seja o que for de importante exista.

Há muito tempo que alguns gestores começaram a notar este problema, que nos pode bloquear e distorcer as nossas decisões. Posto isto, para ser prática, vou acrescentar alguns exemplos de situações em que se nota que o problema está a ser bem compreendido. A consultora “Nível Horizontal” edita excelentes “posts” no seu blog sobre o marketing actual, que assume muitas formas, desde Inbound Marketing, SMarketing, etc. Uma coisa essencial que o blog destaca é a escassez de atenção, citando Herbert Simon que diz “A riqueza de informação cria pobreza de atenção”. Um dos recentes “posts” da “Nível Horizontal” intitula-se “Inbound Marketing - Como Ultrapassar a Escassez de Atenção”. Aí se refere que os consumidores já não são tão abandonados e deixados à mercê de qualquer Marketing Tradicional ou Outbound Marketing que chegue à sua "inbox"; os clientes hoje têm mais opções e usam-nas. O Outbound Marketing (o Tradicional) para as massas já não funciona, porque as pessoas provavelmente estão a tentar bloquear as mensagens recebidas, a evitá-las, a eliminá-las. Por isso, em vez do Outbound, o Empresário deve fazer Inbound Marketing - ajudar o seu negócio a ser encontrado - destinado a pessoas (consumidores e clientes) que já sabem alguma coisa da indústria ou do sector e estão em processo de compra (activo ou não). De facto, vê-se bem que actualmente o Marketing é, na sua essência, informação; a Internet torna fácil a pesquisa de informação e dá mais liberdade para elaborar filtros de informação; surgiu também o Marketing de Permissão, outro conceito complementar, apresentado em 2008 pelo  guru do Marketing Seth Godin; o Marketing de Permissão, sendo um pouco diferente do Inbound Marketing, ajuda a perceber porque é que o Inbound Marketing é importante. O Marketing de Permissão consiste na entrega pessoal das mensagens relevantes e antecipadas a pessoas que, de facto, as querem ter. Seth Godin chamou a este modelo “Subscrição” que, é claro, expandiu-se nos últimos anos para os “Like” e “Follow”, que todos nós conhecemos.

Em resumo, refere-se qual a diferença essencial entre Inbound Marketing e Marketing de Permissão. No modelo de Inbound Marketing o objectivo é ser pesquisável (no Google ou seja onde for). No modelo de Permissão, o cliente opta por receber alguma coisa. Actualmente os clientes usam os dois modelos online a toda a hora e há quem considere que as fronteiras entre ambos se estão a esbater.
Para terminar, acrescenta-se ainda um ponto: é importante ter uma Agenda Própria. Isto pode parecer um lugar comum, mas é um problema real que o excesso de informação contraria os objectivos de muitos empresários de PME. Por vezes sem departamento de estudos para analisar os problemas e encontrar soluções, o empresário tem de fazer tudo, não apenas ser “dois em um” (slogan do século passado), mas “tudo num só”. As coisas tornam-se mais sérias quando as PME têm elas próprias de vender algo e encontrar pessoas que realmente queiram essas propostas e conseguir delas respeito e confiança para as suas empresas e produtos. Sendo o marketing essencialmente informação, é óbvio que actualmente os consumidores já não são apenas informados pelo “outbound marketing” (marketing tradicional, TVs, etc.), mas fazem pesquisas na Internet (em cada vez mais produtos), antes de passar ao acto de compra. As empresas devem assim usar o “inbound marketing”, ou seja “ajudar o seu negócio a ser encontrado” por pessoas que já sabem alguma coisa dos seus produtos, ou sectores.

Este raciocínio, funcionando das PME para os consumidores, ou seja, “admitir que há excesso de informação e escassez de atenção”, poderá certamente funcionar também a nível da recepção de informação pelos empresários de PME. Por vezes, estes podem cair no erro de não ter Agenda Própria bem definida, passando muito tempo a aceitar sugestões de instituições financeiras, ou estatais, ou associativas, sem as filtrar. Da parte de instituições financeiras, é óbvio que essas promovem os seus produtos financeiros para os seus fins próprios, pensando nos clientes PME entre outros, mas da parte de outras instituições esse interesse poderá ser mais corporativo e menos apoio verdadeiro aos empresários de PME. Assim, importa filtrar, tanto quanto possível, o que é útil à estratégia e à Agenda da PME. Por exemplo, tradicionalmente as missões comerciais e feiras nos mercados externos são sempre sugeridas como opção de relevo para as PME. Por vezes, estas acabam por não aderir, por razões de análise custo-benefício, mas não debatem adequadamente outras opções. Neste aspecto, vale a pena considerar na sua Agenda Própria outras opções mais modernas. É bom que o empresário de PME saiba que “não está tudo inventado”. O pensamento “para quê fazer de novo se algo já foi inventado?” tem a sua utilidade, mas pode não corresponder à realidade nos dias de hoje. Existem tácticas para exportar quando as feiras não são opção. A Internet e o “inbound marketing” podem proporcionar a possibilidade de estar presente “naquela sua feira” 24 horas por dia, 365 dias por ano. É essencial a abertura de espírito para pensar diferente.

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